Caminho de Santiago de Compostela

20/07/2016 - 19:00 | Por: Circolare

Hoje o Just Married compartilha uma história de emocionar. A administradora de empresas, Milena Costa, que vive em Brasilia, acaba de voltar da viagem em que completou a pé os 715 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela e divide aqui detalhes da preparação, dicas e um diário divertido do que viveu e aprendeu no percurso.

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Inicialmente, eu planejei ir sozinha, mas acabou coincidindo com a data com minha amiga, Mabel.

Iniciamos a caminhada em Pamplona, onde compramos um guia Michelin que apresentava 31 etapas de Pamplona até Santiago (715 km). Daria uma média de 25 km por dia de caminhada para concluir em 31 dias, mas, logicamente, não segui o roteiro!

Meu roteiro foi o seguinte:

Dia 1: Pamplona a Puente la Reina (24km percorridos)
Dia 2: Puente la Reina a Estella (22km)
Dia 3: Estella a Torres del Río (30km)
Dia 4: Torres del Río a Logroño (20km)
Dia 5: Logroño a Nájera (30km)
Dia 6: Nájera a Grañon (28km)
Dia 7: Grañon a Villafranca Montes de Oca (29 km)
Dia 8: Villafranca Montes de Oca a Burgos (40km)
Dia 9: Burgos a Castrojeriz (40km)
Dia 10: Castrojeriz a Villarmentero de Campos (34km)
Dia 11: Villarmentero de Campos a Terradillos de los Templários (36km)
Dia 12: Terradillos de los Templários a Reliegos (45km)
Dia 13: Reliegos a León (26km)
Dia 14: León a Hospital de Órbigos (31km)
Dia 15: Hospital de Órbigos a Rabanal del Camino (37km)
Dia 16: Rabanal del Camino a Ponferrada (33km)
Dia 17: Ponferrada a Trabadelo (33km)
Dia 18: Trabadelo a Fonfría (33km)
Dia 19: Fonfría a Sarria (31km)
Dia 20: Sarria a Gonzar (30km)
Dia 21: Gonzar a Melide (29km)
Dia 22: Melide a Pedrouzo (30km)
Dia 23: Pedrouzo a Santiago de Compostela (20km)

As distâncias são as do guia Michelin.

Ao completar “el camino”, passei um dia em Santiago e por ultimo finalizei a viagem indo para Finisterra, lugar conhecido como o fim do mundo até onde os peregrinos seguem (de ônibus ou caminhando,90km) para queimar algumas peças de roupas. É como se você deixasse o passado pra trás.
“É uma tradição peregrina molhar os pés no oceano, queimar ou deixar algo que você carregou consigo o tempo todo durante a peregrinação, uma forma de celebrar o início de uma nova vida.”

Diário de Milena (conteúdo também disponível no Instagram @mile_milesaway):

Dia 1: 25km
Começamos os trabalhos!!!!
Partimos de Pamplona mesmo… Parece que as condições dos Pirineus não eram as mais favoráveis e teríamos que perder mais um dia para chegar lá! Serão mais de 700km… De muita subida!!!!

Dia 2: 22 km

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Saímos de Puente la Reina para Estella! Já temos o primeiro aprendizado: beber menos no dia anterior para dormir bem… (Sim, bebemos desde o dia que chegamos na Espanha)! E o ronco do pessoal, o saco de dormir… Dificulta muito!
O caminho foi bem puxado! Muitas subidas difíceis! O que nos ajudou foi nossos novos amigos peregrinos e as paisagens incríveis!
Já tirei aquela impressão que no caminho só dá velhos… Muitos jovens de bike, uns espanhóis maratonistas correndo com umas sandálias estranhas, californianos figuras… Conhecemos pessoas de todas as idades, tipos e lugares! A cada subida pesada eu paro para descansar e fico perguntando de onde as pessoas são!

As bolhas começaram a aparecer, o pé dói demais… Mas não vejo a hora de levantar e fazer mais um trecho!

Pra quem quer fazer o caminho, fica a dica: precisa SIM de um bom preparo físico! As subidinhas matam demais… Sinto que já estou com as pernas no dobro do tamanho!

Dia 3: 30 km

Nada como uma noite bem dormida, Dorflex na veia e bolhas curadas… E ainda recebemos uma benção dos peregrinos em Estella que foi super emocionante! Acordei renovada e pronta para os próximos 22km até Los Arcos!

É impressionante o corpo… Já está se adaptando às caminhadas e foi super tranquilo (até o plano inicial de 22km)! Tivemos música no caminho…

Em Villamayor de Monjardín, fui atrás dos meus “sellos” da tal credencial do peregrino! Entrei em uma igreja e um velinho de seus 90 anos, responsável pelo carimbo, me recebeu com abraços e todo cheio de prosa me passou uma mensagem linda: que temos que abraçar mais as pessoas e compartilhar o amor, “pero siempre respetuosamente”!!!! Morri de rir do Sr. Angelo… Super fofo!!

Enfim, chegamos em Los Arcos inteiras e… Por que não continuar caminhando?? Vamo que vamo… Esses últimos kms foram super cansativos: sol fortíssimo na cabeça… E um retão sem fim! Chegamos nos primeiros 30km da nossa peregrinação: Torres del Rio!!! Agora é beber pra relaxar, comer bem e pegar leve amanhã!!!

Dia 4: 20km

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Lógico que ontem, após os 30km, fomos celebrar e perdemos mais uma vez a maturidade! É culpa do caminho… Os peregrinos ficam tão eufóricos quando se encontram nas vilas, que bebem sem pensar no dia de amanhã!!! E já começamos a pensar como será quando fizermos 40km!! Muito louco isso…

Enfim, hoje saímos de Torres del Río para Logroño! Apesar do início ter sido bem puxado (ressaca), foi super tranquilo esse trajeto!

Percorri boa parte do caminho sozinha … Na verdade, sem nosso grupo de brasileiros! Vim interagindo com diferentes grupos! O que foi demais! Nesse momento, as pessoas já se conhecem dos albergues ou de se cruzar nas andanças e todo mundo se fala!

Passei uma boa parte com um senhor da Bélgica , Loui, me contando seus planos de caminhar a Europa toda… E que nessas caminhadas ele sente que faz parte de toda essa “harmonia” existente! Fez sentido na hora… Uma paisagem deslumbrante e um clima super agradável!

Ah, essa caminhada me lembrou aquele filme “corrida maluca” (algo assim)… Nos avisaram na noite anterior que não havia mais albergues e hostels disponíveis na cidade, apenas os albergues municipais: quem chegasse primeiro, ganhava uma cama! Certeza hoje ninguém parou para descansar! Garantimos a nossa! Rsrsrs

Hoje finalizamos a região de Navarra e ficou uma boa lembrança de lá! A gastronomia é sensacional: foie gras, ovos com azeite trufado, cordeiros, patos, parmas… Acho que nunca mais aceitarei um presunto sadia na minha vida! Agora é descobrir a região de Rioja!

Dia 5:30km

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Ontem Logroño estava em “fiesta”. As ruas lotadas e, se não fosse o compromisso com a caminhada, teríamos ficado na rua até tarde! Vale a pena voltar para conhecer melhor depois! Os espanhóis sabem curtir a vida rsrsrs

Saímos de lá super cedo (6:15am) para Náreja! Foi bem tranquilo, tirando a ventania fria do caminho todo e foi uma caminhada mais solitária: juntos, mas separados, rsrs! Pelo caminho, vimos muitos coelhos, esquilos, patos… E, como essa região é de vinho, muitas vinícolas! Na chegada, todos andavam mais rápido para chegar primeiro e pegar uma cama! O caminho começou a encher e a falta de lugar preocupa a todos… Teve um pessoal que dormiu na igreja na noite passada!

Resolvemos inovar e comer antes de tomar banho, pois estava muita confusão no albergue… Não foi uma boa ideia, pois descobrimos que a água quente acaba.

Hoje tinha uma placa no meio do caminho que falava que faltavam uns 590 km para Santiago de Compostela! Engraçado que aqui você esquece o quanto falta ou o quanto já percorreu! Pensamos sempre no que tem para o dia: meta diária!!! Fica mais fácil assim… Se cumprirmos o do dia, sabemos que estamos mais perto!

Ficamos bebendo até tarde com nossos amigos Irlandeses ! Entre eles, uma chef de cozinha (35-40anos) que está fazendo o caminho por causa do marido que faleceu! Eles iam percorrer juntos, mas…
Mais uma história do caminho!

Dia 6: 28km

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Começamos cedo e eu estava com muita dor no pé esquerdo! Mas a dor faz parte! Enfim, comecei mancando e fui…

O plano era chegar a Sto Domingo (21km). Caminho foi super tranquilo, o corpo ja acha essa distância fácil demais! Esse vilarejo é show… A arquitetura é lindíssima! A catedral impressiona qualquer um, como todas pelo caminho! Essa tinha um detalhe diferente: um galo cacarejando a todo tempo lá dentro…

Como 20km já não são suficientes, seguimos andando para a próxima… Vila? Grañon, 300 habitantes! Nunca me imaginei vivendo em uma comunidade rsrsrs e foi tipo isso! Ficamos em um “Hospitaleiro” de peregrinos! Fica atrás da igreja (na verdade, faz parte da estrutura da igreja) e é super rústico. Meio que todos se abraçam, sei lá como explicar! É mantido por voluntários e você paga o que quiser, se quiser ou pega o que precisar!
Todos dormem em um sótão em colchonetes (cada um abre o seu saco de dormir em cima do colchonete)! É tudo diferente, mas … Pessoal prepara o jantar e leva a uma padaria para assar em forno de barro comunitário! Bem… E ai que 8pm fica pronto e todos vão à rua cantando para pegar a comida…

E depois tem um… “sistema” de arrumação da cozinha: todos enfileirados enfiando o prato em um balde de água e sabão e aí passa para outro que enfia em outro balde com água e depois outro seca… Não é muito higiênico, mas ok… Aprendendo a relevar essas coisas!

E para fechar o dia, momento de reflexão! Foi na verdade um ritual do caminho de Santiago. Descemos uma escada escura de pedras e chegamos em um mezanino dentro da igreja (dava para ver o altar la de cima todo dourado)!!!!
Tudo escuro, velas acesas e sentamos… cada um em seu “trono” de madeira! Meio sombrio… Mas aquela vista privilegiada da catedral era de tirar o fôlego! A ideia era que cada um segurasse a vela e falasse o porquê do caminho (se quisesse) ou podia ficar quieto).

Enfim, a mensagem foi lindamente assustadora! Vi que ainda não entrei na vibe espiritual de Compostela!

Muitas histórias novas de peregrinos e vou contando aos poucos…

Dia 7: 29 km

Estava arrumando meu saco de dormir no mezanino do hospitaleiro de Grañon, quando vejo um jovem inglês subindo as escadas com muita dificuldade! Ofereci ajuda e ele diz que não precisa (rindo)! Vejo que está com duas muletas e pergunto se foi o joelho… E ele diz: não, é a cabeça mesmo!

No tal momento de reflexão, fiquei atenta para ver o que ele ia falar sobre o porquê de Compostela: Vim aqui porque preciso praticar a caminhada e a oração todos os dias! Sim, ele tinha algo na perna e não conseguia andar direito… Faz uma média de 8km por dia!

E eu, fanfarrona, ainda tentando descobrir o porquê do meu caminho… E acredito que terei essa resposta no final (sim, foi essa a minha resposta)!

Acordei meio incomodada de saber que todo mundo parece ter um motivo… Cade meus amigos fanfarrões que também vieram para curtir? Viajei muito nos pensamentos e quando vi, já tinha andado 10km de gorro, luva e casaco! (Normalmente no primeiro km ja tirei tudo)

Primeira vez que caminho pensando em algo realmente… Acho que tem a ver com a experiência aqui: o foco começa a mudar!

Paramos em Bellorado para Mabel e Alexandre irem ao médico para ver se as bolhas estavam ok! E estavam ok… É normal “perdermos” peregrinos durante o caminho que lesionam o joelho ou o pé começa a incomodar muito… Ainda bem que tive apenas duas mini bolhas e a dor muscular normal de todos os dias!

E chegamos em Villafranca Montes de Oca! Não imaginei que íamos tão longe hoje…

Dia 8: 40km

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No início, estava muito frio, paisagem deslumbrante com vários pinheiros… E muita subida! Até os 13km éramos 3 brasileiros e 1 italiano! Mas… Perdemos um peregrino que foi de taxi até Burgos para não forçar mais o pé que não estava bom! Boa decisão, mas pena porque é a diversão em pessoa!

O italiano anda mais rápido e foi na frente! Eu e Mabel fomos batendo o maior papo e nem percebemos o tempo passar… Subimos uma ladeira com taaannnnta pedra que nos matou! Caímos na risada quando chegamos e nos demos conta onde estávamos pisando… Mas a conversa estava tão boa que valeu a pena!

Encontramos o italiano dormindo pelo caminho (figura) e paramos de novo nos 24km para tomar una cervejinha estratégica!!! O problema não é a distância e sim o tempo que está na função da caminhada!!!! Tem dia que chegamos a umas 10 horas brutas (com descansos e afins).

Depois da cerveja, chegamos aos 30 facilmente e paramos de novo (tem que saber respeitar o corpo e a sede)! Mais uma cervejinha para o ultimo trecho… E que trecho sem fim!!! Vale pegar um taxi… Mas… Viemos para caminhar!

Engraçadíssimo… Estávamos em Burgos já e para todo mundo que perguntávamos quanto tempo até a catedral, respondiam: 25 minutos… Esses 25 duraram umas duas horas!!!!! E é horrível caminhar na cidade… Carros, pessoas… Cadê a paz da caminhada??? Rsrsrs

Pegamos as últimas 3 camas do albergue municipal!! E que albergue sensacional… Merecido após os 40!!!! A Catedral de Burgos é de longe a mais maravilhosa!! Como valeu a pena essa caminhada…

Tentamos comemorar, mas o cansaço era tanto que deixamos para depois!!!!

Enfim… Em Burgos eu e Mabel encerramos essa primeira etapa de grande parceria!!! E fechamos com chave se ouro!!! A partir daqui, ela segue de trem a León para seguir a caminhada com os tios e eu… Sigo caminhando!!!!

Ainda não sei quanto por dia, como ou com quem… Um dia após o outro!!!! Pode ser que eu caminhe fortemente mais dois dias até Frómista e de lá pegue trem até León ou bike ou sei lá… Cada um faz o seu caminho e eu estou amando cada km do meu! Felicidade sem fim…

Dia 9: 40 km

9-1

Digas com quem tu andas, que te direis quem és…

Agora nessa carreira solo, tinha que ver quem de conhecido sairia de Burgos logo cedo! É comum os peregrinos pularem essa etapa até León porque dizem que é muito monótono! E o problema agora é que qdo vc faz 40, vc pula duas etapas… Logo, poucos conhecidos seguiram!

Na missa vi que os jovens americanos super religiosos seguiram… Mas… Preferi combinar com meu amico italiano… Que se denomina “mal di testa”.

Saímos cedo e combinamos os pontos de encontros a cada 10-12km! Morri de rir do “loco” me contando suas peripécias no exército italiano e que quase foi para o Afeganistão!

Passei a maior parte do caminho sozinha com um sol de matar na cabeça, mas foi tranquilo o caminho! Nos últimos 10km viemos conversando em espanhol/italiano! Eu tentando parlar e ele hablar…
🏻:locoooo… Como se habla: domani per la matina o domani matina?
🏽:domani matinaaaa
🏻: ok… Domani matina a las cinque para 40??
🏽:

Sério… Meu italiano está TOP!

Chegamos a Castrojeriz no fim do dia e fomos direto ao albergue municipal… Tinha vaga! Um senhor veio nos receber e pergunta de onde viemos… Quando falamos de Burgos, ele fala: mas por que não foram pelo corta caminho?? Menos 8km… Era brincadeira dele!!! Eu não conseguia parar de rir… E o senhor continuou…

O senhor fala que não podemos usar o celular aqui e que se ouvisse um “trim”… (Nessa hora ele sai e pega um celular e joga com toda força no chão!!! Tudo isso ao som de uma música sacra…)

Sério… O que eu escrevo aqui é apenas 30% do realmente acontece!

Dia 10: 34 km

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6:30 am, começa uma música sacra que vai aumentando aos poucos… O tal senhor do albergue aparece no quarto vestido com uma vestimenta marrom …de monge? Sei lá… De capuz e um “fumaceiro” na mão acordando a todos…tipo Dona morte!

A caminhada foi solitária, mas combinei com o “loco” um último brinde em Frómista (25km).
Brindamos e encontramos um amigo espanhol (12o caminho) no bar e ficamos conversando por quase duas horas acho…
Eles se foram e eu fiquei triste por perder mais amigos no caminho!
Pedi o “sello” para eternizar aquele momento e… Resolvi seguir caminhando! Vicia…

Sozinha, andei mais uns 9-10km … E parei quando ouvi vozes de jovens e ai que não me dei conta da “sociedade alternativa” que eu encontrei… Merece um post a parte…
(Continua…)

Dia 10: parte 2

Que lugar colorido, alegre diferente… Perguntei se tinha cama e me pediram para eu beber um drink antes! Vi que só tinham locais ali e perguntei dos peregrinos! Me apontaram e fui lá falar com eles…

Galera mucho loca… O francês tinha praticamente um airbag nos pés e eu dei pra ele minha pomada para bolhas (ele precisava mais que eu)! Senti o clima alternativo… Patos, galinhas, jumento que berrava…

Me deu um desespero aqueles animais soltos, aquelas cabanas… disse que precisava ir, precisava de wifi, dar sinal de vida… Qq coisa!!!!! A dona me acalmou e me ofereceu o wifi dela! Bom… Escolhi minha cama (essa toca ai… WTF)!

No jantar comunitário, começa um ritual onde colocavam fogo em um caldo numa panela de barro … Parecia um quentão! Claro que todos bebiam… Pura cachaça…
Entendi: para dormir nas cabanas tinha que estar muito louco!!!!!

Juro que não estou inventando… Todos dançaram a Macarena bêbados ate tarde!

3 da manhã eu acordo na toca e penso: o que eu estou fazendo aqui??? Preciso me planejar melhor…
Peguei minha lanterna e meu mapa para planejar meus próximos dias até León…

Dia 11: 36km

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Cinco e pouco da manhã sai da minha toca com minha lanterninha na cabeça, peguei a mochila e zarpei… Sai fugida daquele albergue!!! Isso não é pra mim!
O sol ainda estava nascendo e eu ria e resmungava sozinha: Milena, “peloamor”… Dançar macarena, dormir em toca… não!!! Definitivamente eu nao vim para isso…

Cheguei em Carrión de los Condes (10km) e foi difícil sair… Passei na Catedral e orei!
Sentia que algo me bloqueava… Na verdade, me deu um puta medo de estar sozinha! Entrei em uma loja e conversei com o vendedor! Contei de onde eu vinha e para onde eu ia (sempre bom deixar rastros)! Mais pra frente, na saída da cidade, parei de novo para um café e conversei com a dona! Me despedi e sai tentando me mostrar segura…

A senhora vai atras de mim e fala: “oye”… O caminho é para o outro lado! Achei sacanagem aquelas setas brancas no chão… Preciso seguir as amarelas!

O que eu estou fazendo sozinha aqui??? Caminho vazio… GPS parou de funcionar, celular sem crédito… Que medo que não vejo ninguém aqui!! Será que estou no caminho certo? Todo mundo pulou essa parte mesmo? Cadê meu canivete? Queria andar com ele na mão… Se bem que até agora só usei para abrir vinho…

Calma, Milena… Agora é só cabeça!!!!! (Acho que eu que estou ficando “mal di testa”)!!

Depois de uns 6km, vi dois peregrinos sentados.

Já cheguei correndo e perguntando: English? Español?? Português??
Eles falavam inglês (um americano e um australiano) e eu tagarelei uns 5 minutos seguidos sem parar (e eles só ouvindo), contei como iniciei, de onde vinha, para onde ia e que estava com medo e… Peguei minha mochila e fui embora bem mais tranquila! Caminho encheu e eu terminei em Terradillos de los Templários! Sem cama, mas com teto!

Dia 12: 45km

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Turista reclama, peregrino agradece!

Sempre ouvimos isso aqui! Não imaginam a minha felicidade de saber que eu poderia dormir no quarto de massagem (com meu saco de dormir) no albergue! A outra opção seria andar mais 6km! Impossível! Meu tornozelo estava uma bola! E foi ótimo, pois uma senhora italiana figura dormiu lá também, não roncava e ainda me fez anotar o celular dela para visitá-la na Itália!

Paguei para lavar e secar a minha mala toda e vesti a única peça limpa que tinha: meu vestido (sim, foi um luxo que trouxe, além do esmalte, rimel e BB cream).

No outro dia comecei cedo (umas 5:30) e a ideia era ir até El Burgo Ranero (acho que uns 33km). Quando cheguei pensei: melhor me matar na caminhada hoje e fazer uma mais leve amanhã até León e poder aproveitar e descansar lá…

Resolvi ir até Reliegos (com certeza foi o pior trecho de todo o caminho)!! Durante esses 12km finais, só encontrei uma pobre coitada coreana que estava sozinha e ficou até com medo quando me viu! Andava muito devagar… Mas pelo menos ela anda ouvindo música!

Quando faltavam uns 6km (acho, pq meu relógio parou de carregar), eu ja nao estava aguentando mais! Muito calor, eu estava andando como pinguim e não tinha uma vila, um bar no meio do caminho!!!! Horrível… Fui ocupando a cabeça lixando a unha e tirando o esmalte, só pensando que chegar inteira em León ia valer muito a pena!

Cheguei e não tinha ideia de quanto tinha caminhado! Fui recebida no bar do albergue por esse figura e conheci pessoas engraçadíssimas ali! E o melhor: tinha cama de verdade… Não acreditei que não teria que escalar um beliche!!!! Melhor cama até agora…

Conheci um grupo de 4 mulheres (entre 40-50 anos) que andam juntas desde St Jean (primeiro dia do caminho): Ilhas Canárias, Itália, Polônia e Japão!!! A comunicação entre elas é demais… Bebemos até umas 22, quando o sol se foi e o albergue fechou as portas!

Nem acredito que amanhã estarei em León e poderei descansar, arrumar meu relógio, meu celular…

Dia 13: 26km

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Há 10 anos, um amigo me falou que tinha feito essa viagem… Depois, mais uma amiga… e foram aparecendo outros! Eu não estudei sobre isso e não li o livro do Paulo Coelho!! Apesar de ter me preparado fisicamente, não planejei detalhes da viagem… Eu vim sabendo que iria ser perrengue e que iria tirar um day off! Não sabia onde e nem em que momento seria!

O desafio do dia a dia aqui me motivou desde o início! Vim para fazer entre 25-30km e fazer uns 100-200km de trem ou bike ou sei lá…
Confesso que estou curtindo cada vez mais esse controle físico e emocional de longas distâncias! Mas… 45km não mais (acho)!Eu acho que já fiz mais da metade do meu caminho… Não parei pra calcular e descobri que estou péssima para cálculo!!

Quando me senti muito exausta, pedi para meu amigo “tio turisgrino” uma indicação para León de onde ficar! Ele já está em seu 5o caminho e me recomendou o Parador de León ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️! Não imaginei que seria tão sensacional…

Precisava de um quarto e um banheiro só pra mim… Uma banheira para colocar meus pés… Uma musica e uma comida boa! Poder dormir com qualquer roupa, sem ser a que vou caminhar no outro dia…

Tirei o dia para curtir muito León… Com meu vestido de gala! Fiz turismo, degustação de azeite, comi extremamente bem (foie gras, bochechas de “buye”, saladas com “lengua curada”)… E muita cava!
Se não fosse pelo meu andar sexy de pinguim e as marcas de blusa do sol, ninguém diria que sou peregrina! Rsrsrs

Até poderia falar que vim para isso, mas… Esse dia nem está entrando no meu orçamento de peregrina! Me dei de presente…

Meu day off na verdade foi só uma tarde! Troquei minhas palmilhas, refiz minha farmácia, refiz minha necessaire com os shampoos do hotel… E amanhã volto a caminhar normalmente! Sem GPS… Não consegui resolver meu relógio!

Renovada…

Dia 14: 31km

Logo saindo de León, vejo um senhor japonês acenando e quando passo por ele, diz: tired… Taxi! Era só o que ele falava em inglês… Por meio de sinais, avisei que conseguiria um taxi para ele e tentei entender onde ele iria dormir (mapa em japonês)!
Isso acontece muito aqui no caminho… Deixei meu celular e meu nome anotado e lembrei que tinha o contato de uma amiga japonesa! Anotei para ele e tentei explicar que ela também era japonesa… Acho que deu certo!

Já conheci muita gente aqui… De todas as idades e nacionalidades! E hoje me surpreendi! Um menino americano (21 anos)… muito mais maduro que eu… Rsrsrs

Ele viu que eu ando rápido e chegou já falando (em espanhol): o pior do caminho é que você faz amigos e depois de 2-3 dias, você o perde… (Cara me entende!)
Exatamente isso… Quem anda rápido e longas distâncias, ou consegue achar o seu grupo… Ou esquece!

Virou meu companheiro de caminhada… 3 horas falando de tudo: vida, política, religião, amigos, viagens… Me contou que vem daquelas sociedades de agricultores autossustentáveis: várias famílias se juntam para produzir e viver como uma grande família! Depois de 3 horas de conversa, entendo que essa pessoinha madura estuda em uma das universidades mais tops dos EUA! E veio para o caminho por que quer achar o equilíbrio entre a vida “wall street”, desejada pelos seus amigos da universidade, e a vida de sua família…

Chegamos em Hospital de Burgos e nos hospedamos no hospitaleiro paroquial! Já fui direto para o tanque lavar roupa para aproveitar o sol! Rsrsrs

Passei muito tempo conversando com uma americana… Não teria nada de novo, a não ser o fato de ela estar grávida de 4 meses e de manter uma média de 25km por dia…

E nesse albergue, conheci vários peregrinos que andam rápido, sem motivos (fanfarrões) e se conheceram pelo caminho: uma alemã que conheceu um austríaco no dia anterior… Que conheceu um outro alemão e que conheceu um coreano! Conversávamos como se fossemos amigos desde a infância! E o melhor, eles querem chegar em Santiago mais ou menos na mesma data que eu! Ou seja: provavelmente vamos nos cruzar nos próximos dias!


Dia 15: 37km

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Aprendi a ser prática nessa vida de peregrina! Saber as manhas de colocar a ordem certa da roupa pendurada no banheiro na hora do banho, pressionar a água do chuveiro com as costas (ah sim… aqui em muitos albergues você aperta, a água cai por uns segundos e para), deixar o tampão de ouvido dentro do saco de dormir, deixar sempre os itens nos mesmos compartimentos para ajudar na hora de checar…

Enfim, aprendi tudo isso… Mas, a sua esperteza é testada quando você combina de sair antes das 6am com um amigo que acabou de conhecer!
5:30am meu jovem amigo pega suas coisas, passa no meu beliche e avisa que esta me esperando lá fora… Não fez barulho, não usou lanterna… Nada! Tentei fazer o mesmo… Peguei minha mochila e meu saco de dormir com tudo dentro e tentei sair do quarto: a lanterna mirava sem querer o rosto de alguns e minha garrafa de água caiu no chão… Tudo errado! Fail!

Enquanto o jovem estava pronto e se alongando, eu estava ali passando meu tubo de vaselina nos pés e toda atrasada!

Começamos 6am e foi incrível! O sol aparecendo aos poucos… Nem conversamos, só combinamos os pontos de encontro! Hoje sabíamos que seria puxado os 37km por causa do calor, então avisei logo para que não me esperasse nos meus descansos!

Astorga é demais… O Palácio de Gaudi é de babar! Pena que o museu estava fechado e a Catedral também!

Cheguei em Rabanal del Camino cedo e depois das funções básicas de lavar roupa, tomar banho e cuidar dos pés, sentei em um bar para comer e escrever… E foi quando uma sueca entrou e acabou sentando na minha mesa me contando a vida dela, história de cinema!

Essa ex-CEO de 45 anos está tirando seu tempo sabático… Depois do caminho, vai alugar um carro e ainda está decidindo pra onde e com quem vai viajar… Nem preciso falar que super invejei essa segunda parte do plano dela rsrsrs!

Ela não caminha todo tempo e despacha a mochila sempre, então combinamos de nos encontrar em Santiago daqui uns dias! Já estou nessa: avisando a todos que devo chegar lá entre o dia 17 e 18 de junho!

Dormir cedo… Amanhã tem a tal cruz de ferro…

Dia 16: 33km

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Não combinei com ninguém hoje a saída, mas coloquei na cabeça que queria chegar na tal cruz de ferro no amanhecer!

Acordei 5 e pouco para sair cedo e esqueci de avisar ao senhor do albergue! Ou seja… A porta estava trancada! Tentei abrir a porta com a mochila nas costas e o saco de dormir na mão e foi um desastre…Mas pessoal roncava tanto que nem notou rsrsrs…

Primeira vez que caminho com lanterna na cabeça para me guiar! Foi maravilhoso o trecho, mas muito puxado! Apesar de não conseguir chegar a tempo para ver o amanhecer de lá, caminhei duramente naquela subida com muitas pedras… Com o céu vermelho ao meu lado! Até dei uma corridinha para tentar chegar a tempo…

Confesso que quando vi a cruz de ferro, fiquei um pouco decepcionada… Eu não a imaginava tão pequena! Mas todo o esforço, todos esses dias caminhando… Me fez ver com outros olhos! As pessoas chegavam lá muito emocionadas, escreviam nas pedras, é como se a partir dali, tudo fosse mudar em suas vidas!

Fiquei uma meia hora ali… Pensando em tudo o que vivi aqui até então… Já foram uns 500km nesses 16 dias (fiz os cálculos hoje)… Não tinha me dado conta!

Escrevi mil coisas que pensei durante esses dias em uma bandana que tinha comigo e deixei amarrada lá!

Achei super difícil a caminhada hoje… A descida foi duríssima! Vim conversando com um Neozelandês, mas ele parou antes… Muitas pedras, descidinha íngrime! Fico pensando o que me espera no Cebreiro!

Chegando em Molinaseca, tirei a bota e fiquei uns 5 minutos com os pés no rio (não mais pq estava congelante)! Descansei por umas duas horas lá… Queria mesmo é ter tomando sol como todas as peregrinas que trouxeram biquini e estavam lá tirando a marca… E eu tirei da mochila na ultima hora com medo de fugir para Ibiza no meio do caminho rsrsrs.

Parti para mais 7km e fiquei em Ponferrada! Calculei quantos km estou distante da Mabel, Alexandre e o Loco! É só manter o ritmo… que consigo revê-los! E me jogar na gastronomia de Galícia! Pode ser um bom plano…

Dia 17: 33km

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Outro dia, estava com um senhor espanhol e disse que meus amigos achavam uma loucura essa história de caminhar por 30 dias, sozinha sem motivo… Mal acabei de falar e ele começou a berrar e apontava para cima: isso é satanás querendo te tirar do caminho… É o diabo tentando fazer você não vir… O caminho é religioso sim!!!!!
Bem… Sorri e peguei minha mochila e me fui!

Ontem, quando estava no tanque lavando minhas meias, chegou um senhor português que já percebi logo de cara que era do mesmo estilo! Começou do nada a falar que muita gente vinha pela aventura ou pelo livro… E falou do Paulo Coelho e me perguntou o que eu achava! Respondi que não tinha lido e não sabia responder… E ele continuou…perguntando qual era minha opinião sobre a vida após a morte, se acreditava em outras vidas… Eu só respondia que nunca tinha pensado nisso (certo medo dele…)! Tentei encerrar o papo falando que ainda bem tinha acabado de lavar a roupa e ele grita: sabia… Você é feminista! Tem cara de feminista! Não gosta de lavar roupa? Acha que os homens que tem que lavar?
Respirei fundo e dei uma de louca… Fui embora! Cada uma…

Comecei hoje super saudosa e pensando na vida… Até que , depois de 10km, me deparo com uma vinícola com degustação! Tive que parar… Duas tacinhas e continuei!

Mais uns kms e me deparo com uma placa: Ciudades del vino de Europa! Lembrei na hora do espanhol gritante!

Vim pra isso, com certeza… Quando me deparo com uma “Pulperia”, era como se uma seta do caminho estivesse apontando para lá… Entrei e fui feliz com os pulpos e mais umas tacinhas…

A verdade é que esses últimos dias comi muito mal aqui… Perguntei para um senhor da pulperia se já estava na Galícia (a perdida) e ele me disse que não… Que no Cebreiro estaria lá…

Posso não ter estudado sobre o caminho, mas sei bem da fama da gastronomia da Galícia… O Cebreiro virou minha cruz de ferro! Não vejo a hora de chegar lá e ganhar os quilinhos que acho que perdi…

Caminhada bemmmm difícil com esses vinhos e muita dor… Mas cheguei em Trabadelo!!!! Amanhã, subo para o Cebreiro!

Dia 18: 33km

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Tive que respeitar meu corpo… Minha canela direita doia muito! Depois de muito gelo, alongamento, fui caminhar… Tentei comprar meu cajado para me ajudar na subida do Cebreiro, mas nao consegui!

Queria fazer uma caminhada mais sozinha hoje, mas foi impossivel! Na subida do Cebreiro, encontro uma família de italianos cantantes! Todos uniformizados cantando a tarantela… E queriam tirar fotos comigo a todo instante!

Fui ficando para trás, mas me vem os peregrinos a cavalo… Não dava para seguir atras deles…!
Subi bem lenta por causa da dor na perna… Nao sentia nada por conta dos remédios, por isso fiquei com medo de forçar e sofrer depois! Mas confesso que achei a subidinha tranquila!

Quase no final, no meu descaso, uma jovem holandesa (27) pede para sentar na minha mesa! Uma querida que me acompanhou até o Cebreiro e ainda ficamos umas duas horas lá (eu comendo e ela falando)!
Conversamos muito sobre tudo! Me contou do quão pressionada ela se sente por ter uma carreira (ela mudou de curso na faculdade), por ter idade pra casar e pra ter filhos… Falando isso pra mim?? Uau…

Só consegui falar para ela aprender a relevar tudo isso, porque a pressão sempre vai existir e vai piorar na minha idade! Se ela estiver casada, vão cobrar filhos… Se estiver solteira, vão achar que você tem algum problema… Se trabalhar muito, vão achar que você só pensa em dinheiro… E por ai vai! Claro que a teoria é muito linda… relevar não é tão simples assim!!

Mas acho que os melhores conselhos que pude passar a ela aqui foram: você tem que aprender a tirar foto com o timer da câmera (ou só terá selfie) e tenta não reservar o próximo albergue… Anda até onde conseguir e vai atrás de um lugar para dormir… É bem mais emocionante!

Tão emocionante que tive buscar nas próximas três vilas até achar um lugar decente para ficar… Parei em Fonfría e terminei a noite comendo uma comida caseira maravilhosa com meus novos amigos japoneses, canadenses, americanos, espanhóis…

Dia 19: 31 km

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Sim.. Cada um faz o seu caminho…

– Mabel, qual o nome do seu albergue?
– Albergue Alma do Caminho!
-Tá explicado o porquê das pessoas que você conheceu aqui…
-E o seu?
– Albergue da pedra! Só pessoal bruto!

Isso foi depois de algumas garrafas de vinho em Sarria, após nosso reencontro e cada uma contando o que tinha acontecido durante esses dias! Choramos de rir…

Nosso reencontro foi o máximo… Eu contava a ela os fanfarrões que tinha conhecido… Todos sem planos e sem ter a ideia de como vieram parar aqui, pessoas que largaram o trabalho, ex workaholics… Ou aventureiros esportistas!

Sem falar nas mamães figuras que com 15 minutos de conversa já queriam que eu conhecesse o filho, perguntavam se eu moraria fora do Brasil… E sem me perguntar se sou comprometida! Isso só me aconteceu 3 vezes aqui! No começo achava estranho, mas agora já entro total na brincadeira: ok, sogrinha… Me fale mais sobre seu filho!!!!

-Como pode??? So conheci gente do Heiki, das massagens holísticas, que leem a áurea etc.
-Mabel, essas pessoas nem cruzaram meu caminho…

Nós duas nos divertimos horrores esses dias, cada uma na sua viagem!

Amanhã seguimos… Juntas! Vou despachar boa parte da minha mochila e ficar só com duas blusas, uma calça, uma bermuda e um casaco para chuva! Nessa, até a necessaire vai… Ficarei com os dois sachês de shampoo e creme que tenho de amostra gratis (mas é Loccitane)! Esmalte (já retocado), vestido, casaco de frio, calça de chuva… Tudo vai embora!

Falta muito pouco agora! A única coisa ruim da Galícia é que em todas as marcações de Compostela tem quantos kms faltam! Já foram 600km, faltam 115km! Chegaremos antes do planejado!

Dia 21: 29 km

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Saímos cedo do albergue com o plano de seguir até uns 30km, sem destino certo! Eu ainda estava com as coisas separadas para despachar, pois não consegui achar correio ou serviço de transportes abertos nas vilas! Em um frio absurdo com garoa, fomos até Palas de Rei ( 17 km) e sentamos para um descanso!

Ah sim… No meu caminho tem vinho e pata negra! Mabel já entrou no clima (até esqueceu que não come carne) e me escreveu esse recado fofo!! #milenafofa #mabelnaodacontadecuidar #levapravoce
Aproveitamos para jogar na loteria aqui… Vai que…

Depois de umas duas horas, saímos para mais 12km… Com muita chuva! Primeiro dia fe chuva só poderia vir no dia que despachei a calça impermeável e afins! Com a mochila mais leve e vinho na cabeça… Tranquilo!

Já estamos saudosas… Só temos mais dois dias de caminhada até Santiago! Quinta chegaremos e começaremos a rever todo mundo!! Ao mesmo tempo que bate uma felicidade por ter feito muito mais do que eu esperava, já sinto falta de tudo e de todos!!!

Paramos em Melide, no albergue municipal! Compramos uns frios e um vinho e ficamos até tarde conversando sobre a vida e afins…

Não quero que termine!

Dia 22: 30 km

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Já vai no automático: 6:30am já estávamos na rua.. No rumo errado, claro! Teve que parar um carro para nos avisar que estávamos fora do caminho!

Desde o início, tive dias de muito sol… O frio aparecia de vez em quando, mas o sol sempre presente! Claro que nos últimos 2 dias, depois de despachar todo o kit chuva/frio, só pegamos chuva! Ou seja, minha melhor roupa do dia é a seca (e não mais a limpa)!

Toda a dúvida que eu tinha em relação a tenis ou bota no caminho foi embora… O que importa é o tal do goretex! Minha “la boutina” com goretex passou no último teste: pés firmes e secos o tempo todo durante o temporal na trilha! Acho que me saiu um pouco mais de 1 real cada km… Mas valeu demais cada centavo!

Trilha toda solitária (tanta chuva que era impossível conversar)… E meio mórbida: cada vez que via alguém se movimentando no meios das árvores com a capa de chuva, já imaginava alguém fugindo do crime!

Para completar, paramos no albergue municipal de Pedrozo para continuar amanhã (20km de Santiago)… A água logicamente era gelada! Já me imagino caminhando amanhã enrolada com meu saco de dormir… Única peça de frio seca!

Enfim… Só faltam 20 dos 715 km (pelo meu guia Michelin)!!! Não estou acreditando ainda que fiz tudo caminhando! Amanhã chego em Santiago de Compostela e estou triste e feliz ao mesmo tempo! Não sei o que me espera e nem qual será a minha reação ao chegar! Não vi o tempo passar…

Mas pelo menos dois grandes amigos do caminho já me esperam lá: Alexandre e o Loco! Nosso último brinde!

Dia 23: 20km

Dormi super mal… Pela ansiedade da última caminhada! Acordei várias vezes pela noite e ficava imaginando o quão emocionante seria chegar, me imaginei fazendo o caminho todo pensativa e me emocionando!

Foi totalmente diferente do que eu pensei… Muitas pessoas no caminho, excursões de adolescentes que não paravam de falar! E tudo ao som de regaetton (pra que fone de ouvido?). Nada emocionante… Ali eu entendi que o importante não era o destino e sim a jornada até lá!

A emoção ficou ao chegar na praça da catedral… Vi de longe o loco com sua mochila do exército e chapéu de zorro e gritei para ele!Sensacional… Ele estava nos esperando ali com cervejas!

Aos poucos ia encontrando todos que fizeram parte do meu caminho… Quando vi, estava a minha amiga sueca, o jovem americano, o loco, a Mabel e o Alexandre na mesma mesa… Isso sim foi emocionante! Brindamos em todas as linguas rsrsrs…

É estranho pensar que amanhã não irei caminhar… Esses dias foram incríveis! Agora preciso de um tempo para pensar em tudo e descansar! Agora é aproveitar Santiago, Finisterra e Muxia (não vou caminhando até lá)!

Dia 24: Santiago de Compostela

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Passamos umas 12 horas intensas comemorando a chegada! Quando acordei hoje, foi estranho não ter que andar! Mas o dia foi de muitas emoções…

Primeiro, fui pegar minha compostelana e meu certificado de distância! Ver ali escrito no papel que tinha iniciado dia 25 de maio e completado 711km a pé… Me encheu de orgulho! Chorei com mio amico loco!

A missa na Catedral foi lindíssima! Estava lotada e todo o ritual e o Botafumeiro… muito emocionante! Chorei muito sem parar!!!! Sei que o vídeo não está muito bom, mas é muito emocionante presenciar essa benção no final!

Precisei começar a voltar a realidade e precisava desapegar das minhas roupas de peregrina… Fui na Zara e fui feliz ali! Eu e muitos que fizeram o caminho fizeram o mesmo! Praticamente, depois de tantos dias usando as mesmas roupas, todos que chegam, perguntam: onde é a Catedral e onde é a Zara!

Agora as conversas mudam, não perguntam mais o porquê de ter vindo e sim o que foi o caminho para você! E é muito difícil explicar… Aqui você conversa com pessoas sem preconceito, você abre a sua vida, suas forças e fraquezas sem vergonha… O que importa não é o que você faz fora daqui e sim o que você é, a essência da pessoa! Parece que todo mundo é mais real e verdadeiro, sem amarras! E o mais impressionante, todo mundo está feliz e mais leve aqui… A verdade é que para quem não está aqui, vivendo isso… difícil explicar! A caminhada diária e as distâncias não são nada… Tem que viver para compreender!

Se me perguntam hoje o porquê de eu ter vindo para cá, respondo: eu precisava ter a melhor viagem da minha vida na minha história!
Sabia que se eu planejasse tudo, também daria certo, mas não era o que eu queria! Assim eu sei fazer… Já sou cheia de planejamentos, planilhas e indicadores no meu dia a dia…

Eu poderia ter seguido as etapas de distâncias dos principais guias e sempre caminhar com o mesmo grupo, ter feito reservas em todos os albergues, ter dormido sozinha em quartos com banheiro individual, ter despachado a mochila a cada trecho, ter pego trem, taxi ou ônibus para pular a parte monótona, ter ouvido música durante as caminhadas ao invés de interagir com o ambiente e as pessoas… A decisão sempre foi minha e preferi deixar as coisas acontecerem e me surpreender com o resultado! Não saber quanto eu iria caminhar sozinha e onde iria dormir… Foi incrível!! Manter o foco na diversão, me fez atrair episódios engraçados e conhecer pessoas interessantes! E desse jeito, eu conhecia pelo menos uma pessoa que fazia a diferença na minha caminhada… Todos os dias!

Sempre tive a curiosidade de saber qual era a mágica deste tal Caminho de Santiago de Compostela… Hoje eu consigo sentir, mas não explicar! Toda a minha racionalidade ficou de lado e prefiro acreditar que é o caminho que te escolhe para fazer parte dele! Caso contrário, você só pensa na distância, na dor e não se permite entrar… Reclama de tudo e acha que tudo é muito fantasioso!

Se farei de novo? Eu não sei… Quero que essa experiência seja única e não quero ter comparações! A próxima não terá a mesma espontaneidade (mas… uma vez peregrina, sempre peregrina)! Outros caminhos? Com certeza sim… Aliás… ano que vem eu quero voltar para fazer esse pedacinho dos Pirineus que faltou: Saint Jean Pied de Port a Pamplona…

A única dica válida que posso dar sobre o caminho é: seja você mesmo e faça o seu próprio caminho….

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