O Circolare convidou o chefe Yann Corderon para falar sobre um assunto que divide opiniões, o consumo do Foie gras no Brasil e no resto do mundo. Abaixo você confere a opinião do chefe sobre o projeto de lei que busca proibir a comercialização do ingrediente nos restaurantes da cidade.
“O foie gras (fígado de ganso ou pato gordo) é o prato mais emblemático da gastronomia francesa e talvez um dos mais polêmicos. Em São Paulo, há um projeto de lei que busca proibir a comercialização do ingrediente nos restaurantes da cidade.
O projeto está em tramitação e ainda depende de votações e da sanção do prefeito. Chefs, gourmets e gourmands torcem para que prevaleça o livre arbítrio. Cada um decide sobre sua própria alimentação e preferências culinárias. Comer fígado de pato e de ganso é uma tradição na França, assim como é um hábito comum no Brasil consumir fígado de boi e galinha. A França é o lar do foie gras e responde por 80% da produção.
A iguaria tem suas melhores produções na região da Alsácia e de Toulouse. O ganso ou pato, depois de abatido, tem seu fígado mergulhado numa mistura de leite com mel, o que torna a textura da carne mais vaporosa e irresistível. O sabor do foie gras de pato costuma ser mais suave e amanteigado, sua cor é mais escura. O foie gras de ganso é mais suave e tem coloração rosada. Quando cheguei ao Brasil, em 1994, só se usava foie gras importado. Há alguns anos produz-se um foie gras de excelente qualidade no Brasil, especialmente no interior do Estado de São Paulo.
O foie gras pode ser consumido de várias formas: fresco, cozido em banho-maria com especiarias e na forma de patê. O foie gras mi-cuit é uma espécie de tira-gosto antes da refeição, geralmente consumido com champagne ou vinho branco. Finas fatias são colocadas em canapés, acompanhados de grãos de fleur de sel (cristais de sal marinho). Há, ainda, variações como confit de figues ou confit d’oignon (geléia de figo ou cebola). A terrine de foie gras é prato obrigatório na celebração das festas de final de ano na França. Além do sabor intenso, ela pode ficar na geladeira por um bom tempo, porque se preserva na própria gordura da carne. Há mais de 2 mil anos a humanidade utiliza esse processo natural de engorda para fins gastronômicos. Há registros de que egípcios e romanos já o produziam, alimentando suas aves com figos. Hoje são usados grãos de milho. Alimentar o animal à força é considerado – especialmente entre os ecologistas e veggies – uma forma de crueldade contra o animal.
O fígado dos gansos fica hipertrofiado por um processo chamado “gavage”, que força a ingestão de milho nas aves, obrigando-as a comer várias vezes por dia e impedindo-as de se exercitar. Deve-se observar, porém, que esse processo é inerente, desde sempre, às aves. Patos e gansos são aves migratórias, que naturalmente passam por um processo de super-alimentação.
O objetivo é armazenar gordura para que tenham energia o suficiente para a longa viagem. Claro que, para a produção do foie gras, o objetivo é outro e todos – do chefs aos consumidores – somos contra a crueldade com os animais.
Vale lembrar, contudo, que os processos de abate do animal hoje seguem normas rígidas tanto no Brasil quanto no exterior. Se o processo de “gavage” causa polêmica, há muitos outros que podem ser questionados, como as galinhas que ficam acordadas dia e noite para produzir, aves turbinadas por hormônios ou carnes bovinas abatidas irregularmente e sem controle de higiene.” Compete à Câmara Municipal decidir o que o cidadão quer ou pode comer, quando não se trata de um caso de saúde pública? Proibir um ingrediente tipicamente francês de ser comercializado seria o mesmo que vetar o consumo de azeite-de-dendê para os baianos, no Brasil, da massa para os italianos, do arroz para os japoneses, do kimchi para os coreanos ou da pimenta para os tailandeses.
Mantendo a tradição francesa, todo dia tem algum prato especial e surpresa com foie gras no L’Amitié. Para o SP Burger Fest (Facebook.com/SPBurgerFest), que termina nesta semana (24/11), preparamos o Hambúrguer Rossini (filé mignon picado na faca servido sobre o pão brioche com foie gras grelhado, molho de vinho tinto, azeite trufado e batata gaufrette). Para agradar a burgermaníacos e gourmets.”
Yann Corderon é um chef franco-brasileiro, apaixonado por viagens e diferentes culturas. Fã da culinária japonesa e com um fraco por parrillas argentinas. Nascido na Normandia, cresceu e se formou na região do Vale do Loire. Trabalhou em vários países da África, tendo cozinhado inclusive para o exército francês no deserto do Senegal. No Brasil desde 1994, o chef passou por casas e redes hoteleiras badaladas do eixo Rio-São Paulo. Em 2009, abriu o seu próprio restaurante, o L’Amitié, no Itaim Bibi, em São Paulo. É co-autor do livro “Bistrô & Trattoria — Cozinhas da Alma”.
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